Há dois dias fui
batizada como paulistana: fui assaltada. Eu sei, é muito azar. Com um monte de
gente morando há 17 anos aqui sem nunca ter sido vítima de um crime, eu e meu recém-completo
um mês em São Paulo tivemos que ver meu celular e bolsa serem levados por um
estranho armado.
É horrível.
Assusta e muito. Vão-se alguns pertences - desde minha escova de dente portátil
até meus cartões de crédito - e ficam dois principais sentimentos: o medo e a
raiva. E esse casal fica intercalando o plantão na minha mente: quando tenho
que sair de novo de casa sinto medo, quando sinto saudade de alguém sinto
raiva, já que meu único meio de ligação com meus amigos e familiares distantes já foi
vendido em troca de sabe-se lá o quê!
Nos últimos dois
dias, essa lembrança (mesmo que já bastante reprimida) me ocupa bastante a
cabeça. Pensei em estratégias para evitar uma próxima vez, em possibilidades de
reação, em motivos. Criei vários.
Antes de vir a
São Paulo vivi em Bonito, uma cidade com 18 mil habitantes, no interior de Mato
Grosso do Sul. Dormia com as portas destrancadas, às vezes até escancaradas. Ia ao
trabalho de bicicleta, que largava na calçada, bem longe dos meus olhos, e a pegava de volta todos os dias, intacta, no fim da tarde. Não vou dizer que lá não há roubo, essa
praga está em todo lugar. Mas nunca andei com medo na rua, mesmo sozinha, mesmo
durante a noite.
Embora seja
comum associar o tamanho de São Paulo, seu crescimento desenfreado e todo o
processo de urbanização que você aprendeu na aula de Geografia com a violência
que enfrentamos, eu tenho um culpado particular: o “quero mais”. Essa cidade te instiga a querer mais.
Aqui você aceita
aquela proposta de trabalho já pensando na promoção: vou começar aqui
porque eu posso parar lá, paga muito bem, tem visibilidade, vou conhecer gente
mais importante. Na rua, as lojas te dizem que a blusa que você comprou semana
passada já foi, é passado, você tá por fora. Aí você nem acredita de primeira,
mas depois de ir a um bare ver três dúzias de mulheres com uma camisa
daquela cor, já corre pro shopping mais próximo atrás da sua.
A internet do seu celular, que até mês passado
era o mais procurado, anda lenta e você vai precisar trocar pra poder pegar um
plano de 4g mais rápido porque ninguém é obrigado a não poder ler BuzzFeed no
ônibus. Esse metrô não chega a lugar nenhum! Como é que eu vou visitar minha peguete no Itaim? Preciso de um carro! Tá frio e minhas 17 botas não dão pro mês todo, vamos ali aproveitar a promoção? Tem uma feirinha de antiguidades desnecessárias-porém-lindas em Moema no sábado! Que tal? Balada nova? 200 reais? De boa.
A gente quer tudo! E olha que a gente já tem demais!
E aí eu penso
naquele cara de blusa rosa, boné branco, corrente prata, chinelo azul e todas
as outras características que eu fiz questão de observar enquanto ele me
apontava uma arma. Penso em tudo que ele quer também. E como para ele é
imensamente mais difícil. Não quero defendê-lo, nem sou telepata pra saber os motivos dele. Mas ele caminha nas ruas da mesma cidade que eu. Então é óbvio: ele também quer mais.
Lá em Bonito,
naquela cidade sem muita vitrine de loja, onde a moda demora muito mais pra
chegar e onde a 3g não pega (acredite!) eu aprendi que nós precisamos de muito
pouco pra viver bem. Não lembro de ver uma revista de moda em nenhuma recepção. Nunca vi outdoor com propaganda de celular, carro, cafeteira, geladeira o que for! Nunca vi ninguém gastar um salário mínimo pra entrar numa balada. Posso estar muito longe de entender a cabeça humana, mas algo nisso deve ter a ver com o fato de eu dormir tão tranquila lá, e sem cadeado no portão.
Voltando pra cidade grande, devo dizer que estou bastante chocada com o fato de não estar dando a mínima por levarem meu celular e minha bolsa nova. Vai ver foi o que eu trouxe comigo lá de Bonito. Tô viva, tô bastante bem. E não quero mais que isso.